A visão aguçada de uma juíza colocou um escritório de advocacia em uma situação difícil ao ser descoberto que, dos nove casos citados em sua petição como jurisprudência, apenas dois puderam ser encontrados. Isso gerou uma forte suspeita de que a firma teria utilizado Inteligência Artificial (IA) para buscar suas citações, informou o IOL.
De acordo com o veículo, a juíza Elsje-Marie Bezuidenhout, atuando no Tribunal Superior de Pietermaritzburg, não apenas ordenou que o escritório de advocacia pagasse os custos legais da petição do próprio bolso, mas também encaminhou o caso para o Conselho de Prática Jurídica para possível investigação.
Foi revelado que uma estagiária jurídica foi a responsável pela “pesquisa” dos casos e os forneceu à defesa no caso, mas que a defesa nunca verificou as citações antes de entregá-las à juíza.
O incidente veio à tona quando o escritório de advocacia Surendra Singh and Associates, de Pietermaritzburg, representava o político de KwaZulu-Natal, Godfrey Mavundla, em uma apelação, utilizando a advogada S. Pillay.
Mavundla havia sido suspenso do cargo de prefeito do município de Umvoti e, no ano passado, obteve sucesso ao questionar judicialmente sua suspensão. A juíza Bezuidenhout, no entanto, havia revogado a liminar provisória que ele obteve e rescindido a ordem.
Mavundla então retornou ao tribunal para apelar da decisão. Foi durante esse processo que a juíza Bezuidenhout questionou as citações jurisprudenciais apresentadas na apelação.
“Durante a redação desta sentença, tomei conhecimento de que a referência ao caso Pieterse (uma das citações) poderia estar incorreta. Verifiquei minhas anotações e pedi ao estenógrafo-chefe que ouvisse a gravação, mas essa foi a referência exata fornecida pela Sra. Pillay.”
“Ao verificar os relatórios da Lei Sul-Africana e outros repositórios, não encontrei esse caso, nem referência a ele no site do Instituto de Informação Jurídica da África do Sul, o SAFLII.”
A juíza então pediu a dois pesquisadores jurídicos do tribunal que revisassem a petição suplementar e fornecessem todos os casos citados. “Dos nove casos referidos, apenas dois puderam ser encontrados, embora a citação de um deles estivesse incorreta.”
A juíza expressou sérias preocupações e quis dar à Sra. Pillay a oportunidade de fornecer as fontes nas quais se baseou.
Durante a audiência, Pillay pediu um adiamento, pois não conseguiu obter os casos no tempo limitado disponível.
“Informei a ela que não consegui encontrar os casos que ela mencionou e que parecia que os casos não existiam. Ela alegou que as referências haviam sido fornecidas pela estagiária do escritório.”
Pillay disse à juíza que não havia visualizado os casos, pois estava sobrecarregada e trabalhava sob grande pressão. Ficou claro então que a estagiária, agora referida como candidata a praticante jurídico, foi a responsável por redigir a petição suplementar.
A juíza pediu que a estagiária comparecesse ao tribunal para explicar de onde obteve as citações. Mais tarde, a estagiária explicou que obteve os casos referidos em periódicos jurídicos por meio de sua pesquisa no que chamou de portal da Unisa.
“Perguntei a ela de quais periódicos jurídicos especificamente, e ela não soube responder. Ela pediu a oportunidade de voltar ao escritório para verificar seu histórico de pesquisa e fornecer os casos relevantes. Perguntei se, por acaso, ela usou um aplicativo de inteligência artificial, como o ChatGPT, para auxiliar em sua pesquisa, mas ela negou ter feito isso”, afirmou a juíza Bezuidenhout.
A juíza suspendeu o caso para que pudessem ir à biblioteca do tribunal e buscar os casos relevantes, para então trazê-los ao tribunal. Quando o caso foi retomado, Suren Singh, proprietário do escritório, compareceu ao tribunal.
Ele disse que não conseguiram obter cópias dos casos, pois o bibliotecário exigiu pagamento pelas cópias, o que ele não estava disposto a fazer.
“Ele indicou que precisavam de mais tempo para fornecer as cópias relevantes dos casos citados. Informei a ele que isso seria difícil, pois os casos não existiam. Ele insistiu que, na verdade, já haviam encontrado um dos casos durante o adiamento.”
Quando Singh apareceu novamente no tribunal, ele disse à juíza que, como um advogado mais velho (o que ela interpretou como possível dificuldade com a tecnologia), teve alguma dificuldade para obter todos os casos referidos, mas que tentou o melhor que pôde, usando o Google.
A juíza Bezuidenhout, ao final, concluiu que nem o advogado do autor nem a advogada tentaram enganar o tribunal.
“Parece que os advogados estavam apenas excessivamente zelosos e descuidados. Nesta era de gratificação instantânea, este incidente serve como um lembrete oportuno para, ao menos, os advogados envolvidos neste caso, que, quando se trata de pesquisa jurídica, a eficiência da tecnologia moderna ainda precisa ser acompanhada de uma dose de boa e velha leitura independente”, disse ela.
Ela acrescentou que, se a verificação mais básica tivesse sido feita no trabalho da estagiária, os problemas teriam sido descobertos antes de chegarem ao tribunal.
Quanto à “pesquisa” da estagiária, a juíza afirmou que quanto menos falasse sobre isso, melhor.
Ela também determinou que Mavundla não deveria arcar com os custos da petição (já que ele teve sua apelação negada), mas que o escritório de advocacia deveria pagar os custos de duas audiências no tribunal.
*Gazeta Brasil/*Informações IOL: https://www.iol.co.za/news/crime-and-courts/judge-orders-investigation-into-law-firms-use-of-ai-for-citations-ff799ef4-0378-4057-940d-8c1ab80bc376
Postar um comentário